Pular para o conteúdo principal

Agosto: um novo começo e o ócio de possuir

Arthur Schopenhauer disse uma frase que se tornou famosa sobre a “ânsia de ter e o ócio de possuir”, e fiquei pensando nisso desde que cheguei aqui na Alemanha — dessa vez para ficar (esse é o plano). Já havia escrito anteriormente sobre a minha dificuldade pessoal em lidar com o fim dos ciclos e o quanto eu estava ansiosa para deixar Belfast e começar uma nova vida aqui, por vários motivos. Mas, quando cheguei, acho que finalmente essa frase me atingiu em cheio. Pensei: eu quis tanto estar aqui e, agora que estou, não sei bem o que fazer. Foi um sentimento de vazio, unido à sensação de que eu iria voltar, como tantas outras vezes em que estive aqui por um tempo curto — só que, desta vez, não é o caso.

Confesso que minha ficha ainda está caindo sobre estar aqui, sobre começar uma nova vida, pensar e desenhar uma rotina, conhecer lugares, pessoas, aprender a língua e me redescobrir mais uma vez. Não é um processo fácil, muito menos rápido: demanda tempo, energia e tantas outras coisas que ainda estou descobrindo.

Há algo de libertador em poder começar tudo de novo, do zero. Mas, ao mesmo tempo, é um pouco assustador pensar em quantas escolhas posso fazer e em quais, de fato, vou escolher. A verdade é que eu ainda não sei. Às vezes me cobro, pensando que já deveria ter todas as respostas — ou, pelo menos, um plano. Em outras, parece uma loucura imaginar que tomei essa decisão e que minha vida está passando por mais uma reviravolta. Não sei se é o limite da coragem ou da loucura — talvez dos dois.

E, para viver a vida, como todos já ouvimos ou experimentamos: é preciso ter coragem. Muita coragem. Também penso que este momento da minha vida é como um gráfico que vi uma vez no Pinterest: mostrava um círculo grande representando toda a nossa vida, e um pontinho pequeno representando o momento presente — a lembrança de que tudo é, no fim, uma questão de perspectiva.

Talvez, se minha vida fosse um filme, esta seria a parte com a trilha sonora animada, mostrando os dias, semanas e meses passando, enquanto as coisas vão acontecendo. Seria aquela parte da mudança de casa, do novo corte de cabelo, ou até a cena clichê do carro na estrada. Vou descobrir, aos poucos, como todas essas coisas vão se desenrolando, como num enredo de um livro bem escrito.

Só sei que a minha oração, desde que tive um tempo para processar que estou mesmo aqui, é perguntar ao Senhor o que Ele quer de mim neste lugar — mais do que pensar em todas as possibilidades de escolha, estudo, caminhos e planos. Quero ouvir d’Ele qual é o Seu propósito em ter me trazido até aqui. Acho que esse é um bom jeito de enfrentar tantas mudanças. Talvez seja também um lembrete para você que está lendo este texto: nossa vida não deveria ser apenas uma rotina de acontecimentos banais. Quando tudo era novidade ou ânsia, nos empenhávamos mais em ouvir de Deus os Seus planos e vontades para aquele tempo específico (seja o planejamento de um casamento, o início de uma família, uma mudança de emprego ou um novo negócio). E não deveríamos parar de perguntar.

O tédio de possuir faz parte, mas, se pensarmos bem, também é motivo de gratidão — afinal, ele só existe porque aquilo que tanto queríamos aconteceu.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rute e Ester, mulheres que viveram por um propósito

 Olá amigos, não sou muito de compartilhar as meditações que faço ou leituras bíblicas e achei isso um desperdício, então hoje estou aqui escrevendo as meditações e coisas que aprendi com a leitura dos livros de Rute e Ester. Gosto muito de ler as histórias das mulheres na Bíblia, de onde vieram, o que fizeram, como viveram e como sempre houve espaço para elas nas sagradas escrituras quando Deus é/foi o Senhor de suas vidas.  Antes de prosseguirmos gostaria de explicar as categorias ou questões que procurei responder com a leitura dos livros, que foram dividas em: Contexto, propósito do livro, temas e as aplicações/lições que aprendi. Minha Bíblia é a de estudos da mulher então para cada novo livro há uma folha de introdução respondendo todas as questões sobre o livro em si. Vamos lá? Rute: Contexto: Começa e termina em Belém, na cidade de Moabe (terra que se originou pelo incesto entre Ló e sua filha mais velha). Propósito: Relacionamento quotidiano de uma família comum....

Uma lição sobre dinheiro

Sei que falar sobre dinheiro, e um assunto delicado, pra mim, muito. Mas recentemente vivi um acontecimento que me fez querer compartilhar uma lição. Esse ano depois que renovei o visto e comecei a trabalhar pra igreja recebendo um salário, muita coisa mudou, inclusive o fato de que eu teria que pagar aluguel, no início fiquei bem receosa e triste, porque pensava: poxa, dessa vez eu vou receber um salário, quero fazer x e y e guardar dinheiro pra z, mas tudo não aconteceu do jeito que queria, o que não e novidade na vida de ninguém. Estava segurando forte o dinheiro com minhas próprias mãos. Resumindo a história: encontrei uma casa pra pagar um aluguel mais barato e que ficasse mais perto do meu trabalho, tudo muito lindo nos meus planos, mas no dia da mudança, tive uma surpresa desagradável: a casa estava numa situação suja e feia, fedendo a cigarro, sem trancas nas portas, sem segurança e sem vida, e eu? Chorei, bem ali sentada na cama. Ainda bem que quando coisas ruins acontecem, De...

É dentro dos relacionamentos que a vida acontece

As duas maiores lições que tenho aprendido ao longo desses dois anos aqui em Belfast, na Irlanda do Norte, tem a ver com pessoas; hospitalidade e relacionamentos. Tudo bem que as duas coisas estão interligadas, mas nem sempre é óbvio. Só pode existir relacionamento se houver mais de uma pessoa envolvida, e só pode haver hospitalidade se existirem um anfitrião e um hóspede.  Ao longo desses dois anos e acredito que bem antes disso, tenho me percebido tornar-me uma pessoa menos extrovertida, mais reservada ainda e mais seletiva, introvertida, mas ainda assim amo estar com as pessoas, mesmo que depois tenha que descansar em silêncio e sozinha, no fim também me recarrego estando ao lado das pessoas. E refletindo hoje sobre isso, entendi que a vida acontece dentro dos relacionamentos, sejam eles quais forem. Pois é no relacionamento com o outro que somos moldados, exortados, animados, amados e confrontados, e é bom que seja assim. Deus nos livre de uma vida sozinha, centrada no eu. Que ...